domingo, 6 de março de 2011

aquela que me dilacera...
























[...]
— Qual é o teu destino?
— Abrir o livro.
— Estás no livro?
— Meu lugar é no limiar.
— O que procuraste aprender?
— Detenho-me algumas vezes no caminho das origens e interrogo os signos, universo de meus ancestrais.
— Perscrutas os vocábulos reencontrados?
— As noites e manhãs das sílabas que são minhas, sim.
— Tu te desvias.
— Caminho há dois mil anos.
— Tenho dificuldades em seguir-te.
— Eu próprio, com freqüência, procurei desistir.
— Estamos em presença de um relato?
— Tantas vezes contaram minha história.
— Qual é a tua história?
— A nossa, na medida em que ela está ausente.
— Compreendo-te mal.
— As palavras me fragmentam.
— Onde estás?
— Nas palavras.
— Qual é tua verdade?
— Aquela que me dilacera.
— E tua saudação?
— O esquecimento de minhas palavras.
— Posso entrar? Já escurece.
— Uma chama queima em cada palavra.
— Posso entrar? Escurece ao redor de minha alma.
— Escurece igualmente ao meu redor.
— O que podes fazer por mim?
— Tua cota de sorte está contigo.
— A escritura que chega nela própria é somente uma manifestação de desprezo.
— O homem é liame e lugar escritos.
— Odeio o que é pronunciado onde já não me encontro.
— Mudas o futuro, tão cedo traduzido. Resta-te a ti sem ti.
— Tu me opões a mim. Jamais sairei vencedor do combate.
— A vitória é a prenda consentida.
— És judeu e te exprimes como tal.
— As quatro letras que designam minhas origens são teus quatro dedos. Dispões do polegar para me esmagar.
— És judeu e te exprimes como tal. Mas tenho frio. Escurece. Deixa-me entrar na casa.
— Uma lâmpada está sobre minha mesa, e a casa está no livro.
— Habitarei enfim a casa.
— Seguirás o livro onde cada página é um abismo em que a asa ilumina junto ao nome.

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