quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

eu canto a ausência de mim mesmo















iNeedChemicalX


Eu canto a ausência de mim mesmo
Se eu sei que essa ausência é eterna desde já
porque será sempre continuamente defenitivamente
não quero ser mais que o náufrago dessa ausência
Que presunção se tu dissesses aqui estou para sempre
É verdade que eu o vejo que as janelas estão abertas nas margens do mundo
Assim eu quero que o meu espírito se torne ondas de energia e de luz
e eu sinta terra voltada para o espaço
e consiga ter a sensação de ser espaço no espaço
É assim meu desaparecimento o meu côncavo
recuo para o começo do mundo
para uma porta destinada a abrir-se numa lenta génese
para ser substância palavra túmulo do meu desejo vegetal
que canta o nada sempre o nada sem nome sem ninguém
porque eu seria ninguém sem nome sombra definitiva
e se abrisse os olhos para o universo veria todos os olhos esquecidos
tantas imagens sem nome tantos gestos sem mãos
eu poderia sentir que a minha vida era a lenta descida para a morte e ainda
perder-me-ia no deserto infindável do meu ser
Mas que importância teria estar vivo ou estar morto
se tinha morrido em vida tantas vezes
e se estivesse vivo teria que morrer ainda mais e sempre
Eu canto a ausência de mim mesmo
porque até a árvore morre no fundo da árvore
porque começamos a morrer logo que nascemos
e fui sempre um hóspede um vento de uma sombra
a tristeza de desaparecer no meio do caminho
sem vislumbrar o horizonte no horizonte
porque à medida que vivia a morte tornava-me mais abstracta do que a vida

[A. Ramos Rosa]

Um comentário:

  1. [diante dessa torre de palavra, só se pode passar em silêncio e guardar na memória o momento, o olhar calmo do momento... e como Ramos Rosa sabe construir pontes, torres e outros pedaços de céu]

    um imenso abraço,

    Leonardo B.

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