mudwrestler
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a Guilherme Passos do Carmo Reis - Sá
Cresceste tanto que deixaste os meus braços para trás.
Dantes, chamavas e eu ia levantar-te do berço, preocupado
com teu choro. Deixava-a a dormir e dava-me todo a ti.
Tu, nos meus braços, deitado e tão pequeno, abraçavas-te
muito à minha preocupação. Dizias baixinho: vamos ouvir
música, quero dançar contigo até que os demónios da noite
sejam longe. E eu ia. Ia tanto como nunca, eu que nunca
dancei para ninguém. Ligava a música, colocava-a baixinho,
tão baixinho que só nós sentíamos o seu som: A rare
and blistering sun shines down on Grace Cathedral Park,
e dançávamos. Ao som da música eu era o Pai, ao som da
música tu eras o Filho. Dançávamos como dois anjos, sabes?,
mas isso não te digo porque é muito expressivo e fica mal
no Poema. Dançávamos heróis, é mas bonito. Eu era o teu
herói, aquele que te abraçava o corpo pequeno, muito nu e
encostado em mim. Tu eras o meu herói, as mãos jovens ainda
te seguravam com a força toda do mundo. Podem dizer que
dançarias com qualquer um que levantasse do berço e te
sossegasse o sono. Mas não. Quem diz isso nunca foi teu pai
e nunca te sentiu filho. Nós éramos um só, um lugar-comum,
eu sei, mas éramos. Eu apenas contigo nos braços, minha
única roupa, meu único conforto, minha única protecção.
Tu embrulhado em mim com tua pequena pele, inseguro
e tímido. E a noite, a longuíssima noite, eterna noite que
eu desejava nunca terminada. O céu no seu lugar devido,
a terra no seu lugar devido, e nós, nós os dois no lugar
que devemos para sempre um ao outro: um ao outro,
um para o outro como duas peças de um jogo universal.
Agora, filho, agora cresceste e saíste dos meus braços. Terás
um dia alguém que te embale o sono como eu embalei, mas
nunca este amor que nasceu comigo comigo e desbrochou contigo,
nunca este amor que só eu, teu pai, posso oferecer ao longo da noite.
Bargos, Fevereiro de 2002
[biologia do homem - poema ao filho]
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