sábado, 29 de maio de 2010

com um só gesto


Não ter morada
Habitar
Como um beijo
Entre os lábios
Fingir-se ausente
E suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber
toda a ternura
para refazer
o rosto
em que desapareces
o abraço
em que desobedeces



imagem lisa g.

a querer ficar contigo

sexta-feira, 28 de maio de 2010

foi pra ti...
























Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

inocente

a entrar dentro de ti

domingo, 23 de maio de 2010

entre o que somos e o que não somos





















Amanhã, quando o chão for a construção da nudez
e houver, entre os teus olhos
e os meus, um súbito musgo,
não se repetirá, meu Amor,
o cambalear das palavras na garganta,
nem diremos a interdição dos lagos
na saliva esgotada no sal.

Alguns corpos inventam
a dimensão incondicionada da noite,
exposta e cúmplice como a terra.

Nós saberemos, lentamente,
o mel inquietante dos dedos.

Em nome da primeira vez que amei,
tracei na pele um movimento eterno de combustão e dor,
peças sensíveis da engrenagem
montada no fundo dos meus olhos
como um ciclo solar.

Hoje conheço os contornos de um lugar
pela quietude das ondas na maré vaza,
ou pela brisa espontânea do poente
e sei que o amor,
onde nenhuma contradição é necessária
é tudo quanto sobra no espaço vazio
entre o que somos e o que não somos.

há os que ficam...





















imagem paperducky.deviantart

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Entre o céu e a terra... Bem sabes. Suponho.

















[...]
Mas encontro as docilidades de Deus nas coisas mais banais e tudo serena. Por tanto ansiar, temo. Não é resistência, é bicho ferido. Puro instinto. Se tu me tocar poderá ler em minha pele toda minha história, assim como se lê entre as estrelas os caminhos. Aceito, se me der a mão e caminhar vacilante comigo sobre as linhas de nossas vidas. Equilibrista. Lá em baixo, a teia do destino que o nosso cuidado trançar. Porque destino se faz assim: abre bem a palma da mão, inspira-se no que deseja, e desenha com pirógrafo. Se cair? Aproveita o voo. Ícaro. Se derreter? Melhor. Coloco um brinco de pavão na orelha esquerda. Sabedoria Indígena. Perto do perigo, aves se eriçam. Sei que o outro é sempre um outro. Já me olhei nos olhos até saber quem sou. Não espero completude, só cumplicidade. Aprendi a não esperar, mais. Nem desesperar, tanto.
Entenda, a vida tem me embalado de um jeito tão único que só encontrei meus passos com total entrega. Quando desando, sei bem o que quero... mas não sei se posso. Não quero licença para ser feliz. Não mais. Se preciso for, quero mostrar os dentes pelos meus direitos. E ter a ousadia de erguer a mão direita até a sua nuca. Perdi minha natureza selvagem em algum lugar, já encontro. Por isso as ausências. Mas minhas fomes sempre ditaram o meu ritmo e nenhuma palavra me brota dos dedos se não salivar na boca. Não deve estar longe, pois. escrevo claro, no escuro. Emolduro um ou dois gemidos. Quando fecho os olhos uma estrela ascende o caminho. Vou, volto diversa. Gosto de velas, ritos antigos, incensos e ervas. Meu solo é místico e meu céu é de Vanilla. Entre o céu e a terra... Bem sabes. Suponho. Tenho as mãos estendidas, vem? E escreve, com a vida, a partitura da minha história.

terça-feira, 18 de maio de 2010

porque ainda espero?





















O que é um poema numa tarde de afastamento?
De que servirá?

E o que será o desejo à distância máxima,
quando só uma música trepa as paredes da açoteia?

Se vens, a verdade sobrevém,
se não vens, é a solidão que sobrevoa.

Estou por um fio,
que puxa o começo da cama onde se me deitasse contigo
de lá nunca mais me levantaria.

Será que o que arde demais sozinho
acabará por se consumir sozinho?

Tenho febre em intermináveis graus,
a boca já não é só vermelha, é sangue bruto a correr,
um louco que se atirou da ponte
que separa os mesmos lados do mundo,
sem corpo onde esconder os vestígios do grandioso crime.

De que servirá este poema numa tarde de afastamento,
mais os quarenta cigarros a competir
com as estrelas que nos enfeitarão a cabeça de tristeza à noite?

A música, essa, trepa pelas paredes do coração
felinamente.
Já não falo uma língua lógica,
sou um animal feridíssimo pela tua ausência.

Porque ainda espero?
De que servirá?

segunda-feira, 17 de maio de 2010

acordes do coração...

























Somou os acasos... havia os sinais, havia sentido e estava distraída... E como esquecer?! Havia música!
Ah, foi com amor, entrega, dedicação e muita sensibilidade que te aprendi. Criança que sempre sonhou ter e tocar um instrumento e de repente o tem nas mãos:és meu!
Não pensou na transitoriedade das coisas...Ah, Heráclito!
Quem tem nas mãos o que sonhou...quer se embriagar na posse, na alegria de possuir. Por medo de acordar?! Ou por saber triste qualquer ilusão ainda mais a de possuir?!
Uma coisa tinha certeza: quem tem o que sonhou e ama nas mãos quer fazê-lo vibrar...tirar seu melhor som e saber-se feliz só por fazê-lo.
E eu que te aprendi de ouvido...e te toquei com a alma!!!
É sempre pelo tocar contínuo nas cordas, pelo excesso, que se desafina o instrumento.E só desafinado pode-se ter o dom, o ouvido, para fazer cada corda vibrar no seu tom...afiná-la. Por certo havia esquecido de Parmênides, porque o universo está sim dividido em pares de contrários...mas bem sabia que há o erro: ele acreditava que cada pólo da contradição assumia uma carga - um lado sempre positivo e o outro sempre negativo.Lembrar seria positivo, esquecer negativo. Não! Não é assim...
Foram quase nove meses...de aprendizado, é claro! O tempo de gestar uma vida... Mas esquecer é também positivo! Lembrou. Ainda mais para quem sempre teve as mãos ávidas por tocar!
imagem kuchiki rukia

domingo, 16 de maio de 2010

eu sei...



arte julie hunt singer

a imaginação

quando fui chuva



Quando já não tinha espaço pequena fui
Onde a vida me cabia apertada
Em um canto qualquer acomodei
Minha dança os meus traços de chuva
E o que é estar em paz
Pra ser minha sem ser tua

Quando já não procurava mais
Pude enfim, nos olhos teus vestidos d'água
Me atirar tranqüila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que eu fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra a tua boca

E mesmo que em ti me perca
Nunca mais serei aquela
Que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela

não posso ser

sábado, 15 de maio de 2010

à procura do beijo e não da cura!

























Se sentires que te esqueceram,
que começou a saga do tempo que não conta,
é porque algures, nalgum lapso de memória,
esqueceste-te de lembrar primeiro,
se o teu corpo grande e impreciso
escorregou na lama e voltou transparecido
com súbito vestido glaciar.
E és tu o ânimo ainda que aumenta a face
virada para a lâmina que entra na espera
e que a enterra onde não se voltem a encontrar.
A mulher é a que veio cheia de harpas
e de contornos em penumbra irrepousada,
é o riso das mil chaves da abertura,
do poder do sangue milenar.
Se sentires que te esqueceram,
mulher, sabe que foi por tua vontade
e nunca por falta de ternura
a quem estendeste o braço
como criança que mostra a ferida
só à procura do beijo e não da cura.

imagem anne-marie zilberman

quinta-feira, 13 de maio de 2010

afinal...



















Atirem-me essa espada solta nas rodas das bicicletas metalímneas, que, a tempo, farei bom uso dela. Começarei por cortar o cabelo, por abrir as grossas folhas de um livro por estrear, por inscrever o Segredo em todas as árvores por onde passar nesta errância de querer mais do mundo do que ele me pode dar. Nunca a deixarei quieta, afinal sou uma filha do Vulcão.

imagem theflickerees.deviantart

e como um adolescente...

sábado, 8 de maio de 2010

secret heart

atravessarei o portão desconhecido



Um dia talvez faça sentido a tua fuga urgente e fria
pela calada do silêncio.
Só então perdoarei o tempo
pela dor de não te ter tido
nem ter sabido de cor.

Podias ter sido um barco
a navegar no mesmo ritmo das ondas,
mas não. Quiseste ser vento contrário...

Mas tudo tem duas faces.
A tristeza é só a outra face da alegria
tal como a morte é só a outra face da vida.
Este amor tem duas faces: nós...
e nós somos apenas tu e eu,
o desencontro na volta lenta da vida
o reencontro além do tempo.

Logo chegará o dia
em que o teu espaço será o meu espaço
e o teu tempo será o meu tempo
e jamais haverá sinais a apontar destinos
proibidos.
Seremos apenas nós,
com a certeza de um amor sobrevivente
na memória longínqua do olhar.
E será pelo olhar que nos reconheceremos...

Hoje eu sei que não vou morrer por não te ter,
porque um dia
atravessarei o portão desconhecido
e, ainda que tu não saibas,
levar-te-ei comigo...

e se não posso ter-te aqui,
ter-te-ei além
onde os barcos navegam sem vento...

ainda que não te tenha nunca...


Fiest - The Limit to your Love

quinta-feira, 6 de maio de 2010

o amor

Não falo do amor romântico,
Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.
Relações de dependência e submissão, paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo,
E pensam que o amor é alguma coisa
Que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.
Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,
Antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor nos domine?
Minha resposta? o amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.

A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor não podemos castrá-lo.

O amor não é orgânico.
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia.
Não é no meu sangue que ele ferve.
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha
E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu
Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha. como uma aurora colorida e misteriosa,
Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.

[Paulinho Moska]

leva-me...






















imagem lara jade

nunca deixo de lembrar!


imagem vinicius gut

amor que me sabe...

afago que se basta, sem sentido.






















imagem Alastair Magnaldo

terça-feira, 4 de maio de 2010

sem mais nem menos...
















Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.

Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.

À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.

Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.

Reinicio a infância
no esboço do poema
e circunscrevo o litoral
fragmentado do que sou.

Quem foi que descodificou
o céu no meu olhar
e me deixou na alma
um deus imaginado?

Quando o espaço do sonho é circular
como o tempo das cerejas,
ou da migração dos pássaros
que fendem o infinito,
inadiado é o rito da poesia.

Se eu fosse uma gaivota, dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

cinco sentidos num só


[imagem B.Berenika]

de alguma forma...



















[...] de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar por inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios, torno sempre a voltar, talvez penalizado do teu olho que não se debruça sobre nenhum outro assim como sobre o meu, temendo a faca, a pedra, o gume das tuas histórias longas, das tuas memórias tristes...

[imagem B.Berinika]