segunda-feira, 31 de outubro de 2011

debruça sobre os anos neste pulso

























Minha dor. Me dá a mão.

Vem por aqui, longe deles. Escuta,

querida, escuta. A marcha

desta noite. Se debruça sobre

os anos neste pulso. Belo belo.


[a teus pés]

o pólen das descobertas
























andyp89-deviantART



Ir até o fim da esperança.
Ir até o fim do amor,
a inocência.
E o fim começa
a dissipar-se.

Tocamos o pólen
das descobertas.


[Os viventes - Abraão - 2.]

sábado, 29 de outubro de 2011



[...]
I decorate my house with things you love
Just in case you show up
In case you show up

o que nos salva é o rescaldo do que sentimos

















LisaRouge-DeviantART


Não quero que você sofra.
Só o sofrimento delicioso
do sentimento
que arrebata
e se derrama.

Mas tudo é ilusão
neste deserto.
O que nos salva
é o rescaldo
do que sentimos,
essas obras
tão fundas
que todos olham
e dizem: nossa,
como você conseguiu?

Ao que respondemos:
-Estive na guerra.
Abra aquele vinho


[Nei Duclós]

http://outubro.blogspot.com/

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

grito

























Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e escreviam

Demasiado baixo

Fiz retroceder os limites do grito

A acção simplifica-se

Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhes destinava um lugar perante mim

Com um grito

Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que pesa
Torna a minha força suave e dura

Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos

Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito
Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.

domingo, 23 de outubro de 2011

quero um sorriso






















ineedchemicalx
deviantART



Quero um sorriso
que dure uma quadra
e dobre a esquina
a iluminar-me

uma lágrima
sem consolo
que traga um soluço
de dez minutos

um corpo que aperte
com fogo de inferno

uma dor que desperte
um ruído que abra

qualquer coisa
forte
que rasgue

[Nei Duclós]

http://outubro.blogspot.com/

sábado, 22 de outubro de 2011

de quem a mim possa deitar a alma sobre o colo
























Andreas Heumann



Prestes a não mais temer
nada
temo tornar-me o tempo que me transborda.
Peço, Senhor, que me dê do tempo
a origem das carícias que aprecio:
deixe-me as almas sobre o colo
deixe-me às mãos renunciar
de forma que os cabelos se afaguem
pelos quentes atrativos de meus olhos
seus quentes clamores como são quentes os colos
deixe-me a maternidade sobre os pedaços incorruptíveis
de natureza inanimada.
E deixe-me, por fim, Pai de minhas cordas vivas,
a corrupção das cores
a corrupção dos tempos
e o mármore dos pensamentos
numa pequena sexta disposta sobre as mãos
de quem a mim possa deitar
a alma sobre o colo.

[prece do poema]

disserto
























Jenniholma-DeviantART



Mas ainda solucei antigas
de nós ideias em nó
arquiteturas da língua sobre a língua
a que falo e a que engulo
em remendo de rachadura sob fita branca
adesivos sobre a pele espremida
quando estive o quanto estive relembrada
havia um corte em seus cabelos
e o novo ao velho voltado
havia
havia tanto de mim em mim
que de mim abarrotada e vazia
dei-me conta do tanto que havia
e que de mim e ti desapegada
havia o que se dizer do nada
e nada mais me dizia
então que de mim me fazia
aquela toda hemorragia
das plantas em minha sala
Reguei-nos até de seu fim
que fim deu de dar em mim
a minha falta de mágoas
Deixasse ao menos rancor
e saboreasse eu dissabor
mas de mim a mim disse nada
Tão esteve o tudo resolvido
que continuara a eu sentada.

cicatrizes

























jarrod343-deviantART

Das profundezas do fumo
momentâneas centelhas
consciente dessa realidade;
A MARCA DE UM INSTANTE DOLORIDO
e a coisa começa a acontecer
muito mais tranqüila que suas atitudes
porque tentarmos
moralmente forçados
poder usar o tempo e também a falta dele
o modelo de obrigado concorda com o desleixo.
Vamos lá, mantenha os laços fixos no céu.
Precisamos ver isso;
os olhos nos levam com a única realidade;
coração não é órgão
CORAÇÃO É A CICATRIZ NO SORRISO.

vertigens

























Um corpo em órbita circular
Ou um cometa em linha reta
à órbita da minha testa
Herdará o elo da Vida e a realidade do mundo
Dividindo meu suspense
renunciarei à pretensão de ser única
Estreitamente rústica. Eu.
Tentando trazer teu gesto
seus próprios pensamentos
uma multidão de obrigações
limítrofe autoridade em acordo com a gravidade
foi quando eu comecei a ter visões do espaço.
Desde que comecei a cair do planeta azul.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

o amor é:




















Jenniholma-DeviantART



procurar o que não se viveu para contar. É esperar o sol aquecer o lado ileso da cama. É não apagar direito a ausência, a letra, o cheiro. É insistir com respostas sem as perguntas. Adiar o amor ainda é cumpri-lo. Fingir que não se sente é exercê-lo. O amor devora os sobreviventes. Não lembra do pente, da navalha, da tesoura de unhas, do jornal, do abajur. O amor não lembra do que precisa. Amor é não precisar de nada. É precisar do que acontece depois do nada, ainda que não aconteça. O amor confunde para se chegar ao mistério. Embaralha para não se ouvir. Perde-se no próprio amor a capacidade de amar. Amor é comer a fruta do chão. O chão da fruta. O amor queima os papéis, os compromissos, os telefones onde havia nomes. O amor não se demora em versos, se demora no assobio do que poderia ser um verso. O amor é uma amizade que não foi compreendida, uma lealdade que foi quebrada. O amor é um desencontro por dentro.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

por tudo o que é vento

























Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento

Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã

Reencontrámos lágrima e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós

Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos
Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

para se confessar de alegria


















tokarchuk-deviantART


Não é preciso ter uma razão para cantar.
Para dar ao corpo uma manhã mais tarde, uma noite mais úmida.
Para decorar a letra tremida da carne.
Canta-se como uma telha solta do telhado, para se confessar de alegria.
Canta-se para não dizer tudo o que resta a dizer.
Para não ser dito o que não cabe, para que sejam lidas as lâmpadas.
Canta-se para confundir o pão e os insetos, as mãos e os seios, os joelhos e a ladeira da chuva.
Canta-se para não dormir durante a leitura. Para roçar um vestido. Para se privar do invisível.
Canta-se para não assentar o fundo, para retardar o caminho de regresso.
Canta-se ainda que sem voz afinada, sem apetite.
Canta-se como uma poeira luminosa que sobe dos tapetes e
que é só vista na infância ou quando se canta.
Canta-se com o relógio de árvore.
Com as ervas mastigadas pelas águas, pela extensão dos cabelos.
Canta-se pelo silêncio crespo das uvas, pelas pedras onduladas, para subir escadas.
Canta-se para ultrapassar a mágoa, para não ter motivos.
Canta-se para confundir a confiança e a carícia, injuriar com um beijo.
Canta-se para arrumar os ombros, ajeitar a gola, subir na grama.
Canta-se para alimentar o que não é letra. Para despedir-se do começo.
Canta-se para viver o mesmo dia dos lábios. Pela falta de equilíbrio dos segredos.
Canta-se para persistir quando era o momento de se apagar.
Canta-se para convencer o passado que ele ainda não imaginou o suficiente.
Canta-se para respirar mesmo sem ar. Para respirar embaixo de um corpo.

[o amor esquece de começar - para se privar do invisível]

domingo, 16 de outubro de 2011

acerca de meu peito
























Lisa Rouge


A casca do dia enrubesceu
acerca das providências ordinais

Meu peito alvorece os pensamentos, errôneo
por causa da hora
(a que o próprio do meu peito transpassa)
O meu peito ensurdece e sabe
pois onde não se diz se cabe
tudo em peito cabe quando calo
os olhos
O meu peito cabe na caixa do corpo
e alegra-se mudo
O meu peito descabe esta hora do enrubescer
(o precaver):
ou se estilhaça ele
ou se extrai todo vermelho
endireita-se o mundo.
A esta hora a crista das minhas pétalas
estilhaça o mundo
não havendo sossego maior que o deste zumbido
e extrai-me o vermelho.

A casca do dia enrubesceu
acerca de meu peito.

uma alegria que é inocência

























Sem explicação, ordem e motivo, me arde uma alegria, que não aceita ser felicidade, porque a felicidade é uma palavra muito longa e a alegria tem pressa. Não sei se é uma alegria herdada, uma alegria que esbarrou em mim e que me salvou de ter pensado demais para devolvê-la. Uma alegria que é muscular, como se o ar fosse uma guitarra encordoando o ar, e houvesse um amor me pedindo para falar baixo nos ouvidos ou uma criança me chamando pelo apelido que esqueci. Uma alegria sem dono, que poderia ser uma ovelha de água, uma orelha de mar, um poço com hálito de café, uma figueira entranhada de pedras, o barulho alaranjado do portão que denuncia a visita, a tosse do fogo, as ervas e suas cartas datilografadas sem acento. Uma alegria de deitar na grama e sentir que está molhada e não se importar com a roupa orvalhada e não se importar com a hora e com os modos, uma alegria que é inocência, mas sem culpa para acabá-la.

bastar-se

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

como o trigo entende o vento

























por ti deitei o meu corpo ao mar
sem cuidar que a maré me esquecesse
por ti aprendi como as coisas se tocam
como o trigo entende o vento e a terra
...como amanhecem as crianças sobre as mães

por ti no sobressalto dos vales
entre sossegos mudos e noites espessas
por ti toquei a gravidez das nuvens
toquei os filhos semeados no inverno
...toquei a mulher que espanta o frio

e imaginei que me ouvisses na distância
que me lembrasses a meio do mês branco
quando nos campos as pétalas escrevem
o teu nome a mão anuncia a ternura
...que é quando os meus olhos procuram os teus


[um mover de mão – invocação]

e deixar passar as horas como quem flutua























Pere Chuliá


nas palavras lavo os panos tristes
que no fim de uma estação retêm agora
a sensação dos dias, o lume dos passos.

sinto que é um outro tempo,
um outro jeito de dobrar esquinas,
um outro modo de pisar a terra
– é tudo isto comprimido no pulso,
cingido dentro de veias como pequenas vozes
mudadas em canção ao acordar do ano.

vem, vem comigo, neste magnífico nascimento,
ouvir bater a espuma no cinzento das rochas,
e deixar passar as horas como quem flutua
à tona do tempo, inteiramente mergulhado no mundo
– vem dormir sob o luminoso manto da lua cheia.

hei-de dizer-te um dia
como se escolheu a cor do mar.


[um mover de mão – lua cheia]

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

tão-só próprio e bastante, em si mesmo absoluto






















Stephen Carroll Photography


Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água.

à procura do teu coração



















Anavelle-DeviantART


Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral de horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome – essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.

caída nos ombros da luz

























Ganhámos juntos o que perdemos separados:
a luz incomparável, esta luz quase louca
da primavera, esta gaivota
caída dos ombros da luz,
e a leve, saborosa tristeza do entardecer,
como uma carta por abrir,
uma palavra por dizer…

Ganhámos juntos o que vamos perdendo
separados:
a alegria – inocente
cidade,
coração aberto pela manhã,
pequeno barco subindo
nitidamente o rio,

fumegando, fumando
com o seu ar importante de homenzinho…
E a ternura – beijo sobrevoando
o teu rosto fiel,
fogo intensamente verde sobre a terra,
intensamente verde nos teus olhos,
pequeno «nariz ordinário»
que entre os meus dedos protesta
e se debate…

terça-feira, 11 de outubro de 2011

que importa...
























m0thyyku-deviantART


Que importa sermos de uma só manhã e não haver
em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

sinta-se agora

























Ginza78-DeviantART



Sinta-se agora
o que é próprio do agora
mesmo que impróprio
à moldura mais ampla da vida
mesmo que não conste
da carteira de identidade
ou, for that matter, do passaporte
mesmo que desconte
a tributação dos contratos
a tribulação dos acertos
que firmamos de bom grado, um dia
(o que seríamos sem eles?
acaso havia outra opção, a das letras miúdas
talvez?)
Sinta-se agora
o que se proíbe e o que se esconde
o que se insinua quando
a mão desliza pela água que o barco rompe
o que se vive quando se morre entre
uma e outra respiração.

uma luz parada no meio da voragem

























shapovalov-deviantART

Acontecera que as coisas se destruíssem sem que nelas sobrevivesse
E era tarde.
Sozinho em tempos não fora a falta de ninguém
E o que doía não tinha o quisto da doença
Só o espaço sereno das coisas que se deixam.
Acontecera que nada se fizera fora
Do coração.
Acontecera que passara a noite a abrir os olhos
Para não se interromper
A estender a mão para estar vivo
E certo de que nem ele próprio se abeiraria de si mesmo
Pois ocupara-se rigorosamente de ausentar-se.
Mesmo se caminhara muito devagar
Sem outro meio para esperar que o visitassem.
Ele que é agora o que nunca repousou
O que nunca encontrará o sítio do sossego
A não ser que haja o equilíbrio na vertigem
Uma luz parada no meio da voragem.

domingo, 9 de outubro de 2011

para e olha pra mim



















Para e olha pra mim
Para e deixa pra lá
Deixa eu entrar em você por algum olhar
Deixa eu gostar de você
Teus medos posso curar
Deixa eu levar tua vida pra outro lugar
Para e olha pra mim
Vê que já basta olhar
Deixa eu plantar um carinho no teu peito inquieto

ressonância

























Emilian Chirila


cada eco
tem o tamanho
exato
de seu abismo

com calma
o tempo
te transforma
em silêncio


[sangue novo]

revelação

























lwc71-deviantART



Em certas horas de solidão e
frio implacável em que tudo vacila,
e que, parece, poucas épocas conheceram,
em meio a uma lucidez tão gélida,
confessaríamos para nós mesmos,
de modo tão natural,
que temos menos sede de verdade
do que de revelação.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

e nada recusa


























armene-deviantART


Pedem à mulher que se sente
e sossegue o fogo dos gestos,
pedem-lhe que ilumine a noite
que há no seu corpo. Pedem.
E ela morde os lábios,
um não, o grito.

Pedem à mulher que se cale
e que não escreva a loucura
que traz nas mãos, o tropel
que avança no seu ventre. Pedem.

E pedem-lhe que siga,
que deixe de ler as estrelas
quando ela já nada pode. Pedem.

Pedem-lhe que deixe de amar a madrugada
e que não acredite na liberdade.
Não existe, dizem.

Mas a mulher traz a ferocidade nos pulsos,
não dorme e vela a noite como um lobo,
aperta os lábios, não chora,
dança, nua e descalça, sobre o fogo das palavras,
não teme a escuridão nem as feras
que descem da montanha para a ver.

A mulher conhece o som
do coração da terra,
escuta a fala das árvores, o salto do tigre.

E ela sabe que só a dança
salva o grito. Luta.
O corpo desarmado e nu,
o canto selvagem
que nasce de si,
na desvairada recusa. Dança.


Essa mulher que caminha no orvalho da madrugada,
de pés nus, que dança na margem do rio,
ouvindo o vento da noite,
essa mulher
que canta o silêncio até onde o grito,
traz na fronte a cicatriz,
que se desenha como a luz na água, a sua loucura,
ela, alheia a tudo,
dança até onde a música eleva os seus pés,
ardem-lhe os lábios, morde a dor, a vida
e nada recusa.

Dança até onde a tempestade a leva.

doces renúncias...






















Dougal Waters



Visitador do meu seio
interior a mim
o júbilo
segura o olhar que vacila
na vastidão
dos tumultos

Inscrição de alegria
súbita flor
o vento descobre
entre as águas
ilumina meus passos
pela sombra larga
dos medos

pois o rio se recolhe
à humilde exultação
da fonte

e a flor se abandona
à véspera esplendorosa
do fruto


[a noite abre meus olhos - visitação]

domingo, 2 de outubro de 2011

para me iludir dum destino

onde não escrevo deixo a luz apagar




























ekhoz-deviantART



As luzes engrossam o ar da noite
e logo um inferno se antevê numa estrela.

É fácil ao ouvir a chamada de um velho amigo
ir de encontro ao pedido e aceder
mil vezes aceder ao vício de articular o horizonte
por palavras que andam de terra em terra
em vida de circo.

Tapo a boca com um sorriso
reverto o reverso no seu lado único
e estoura-me um vulcão pequenino
com água quente e solidão à porta
da hora começada.

Molha-se o papel a história segue em parte
onde não escrevo deixo a luz apagar.