quarta-feira, 30 de novembro de 2011

um salto como um incêndio























photoport


Todo salto volta a apoiar-se.
Mas em algum lugar é possível
um salto como um incêndio,
um salto que consuma o espaço
aonde deveria terminar.
Cheguei às minhas inseguranças definitivas.
Aqui começa o território
aonde é possível queimar todos os finais
e criar o próprio abismo,
para adentrar desaparecendo.

um amor mais além do amor
















ineedchemicalx
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Um amor mais além do amor
Por cima do rito do vínculo
Mais além do jogo sinistro
Da solidão e a companhia
Um amor que não necessite regresso
Porém tampouco partida
Um amor não submetido
As chamas de ir e de voltar
De estar despertos ou dormidos
De chamar ou calar
Um amor para estar juntos
Ou para não está-lo
Porém também para todas as posições intermediárias
Um amor como abrir os olhos
E talvez também como fechá-los.

a vida...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

tudo em mim é um pássaro

























Tudo em mim é um pássaro.
Adejo com todas as minhas asas.
Queriam extirpar-te
mas não o farão.
Diziam que estavas incomensuravelmente vazio
mas não estás.
Diziam que estavas doente prestes a morrer
mas estavam errados.
Cantas como uma colegial
Tu não estás desfeito.

Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e do seu prazer
canto para ti. Atrevo-me a viver.
Olá, espírito. Olá, taça.
Fixar, cobrir. Cobre o que contém.
Olá, terra dos campos.
Bem-vindas, raízes.

[...]

Doce peso
em celebração da mulher que sou
deixa-me levar uma echarpe de três metros,
deixa-me tocar o tambor pelas que têm dezanove anos,
deixa-me levar taças para oferecer
(se é isso o que me toca).
deixa-me estudar o tecido cardiovascular,
deixa-me calcular a distância angular dos meteoros,
deixa-me chupar o pecíolo das flores
(se é isso o que me toca).
Deixa-me imitar certas figuras tribais
(se é isso o que me toca).
Pois o corpo preciso disso,
que me deixes cantar
para a ceia,
para o beijo,
para a correcta
afirmação.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

menos o medo e a solidão



sem destino

move-se no desperto e vai adormecer



















riddlebow
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[...]

As tuas mãos dentro das minhas são actos;
a minha língua sobre a tua garganta - braços
cantantes que se cerram; olhos abertos, confiantes
escuros
bebem a manhã -
uma floresta estremece no teu cabelo.

[...]

Sob o azevinho dos sonhos, uma estrela
- como se quisesse juntar-se a nós numa
colina distante -
move-se no desperto ocidente e vai adormecer.


[A ponte]

do tempo onde não esteve

























As longas avenidas talvez imaginárias
demonstram-me a existência de lugares
que poderiam ter-me pertencido
numa idade passada; é irreal

agora percorrê-las: tê-lo-ia
sido sempre, não poderia haver
motivo para dor num tempo que com este
presente se divide; é um espectro tardio

o espaço finalmente criado pelo olhar:
aí estás olhando-me nos olhos
cidade sob a forma de jovem ser unívoco

ainda inexistente no tempo de uma vida
vivendo no espaço que não teve o seu tempo,
e tarde volta do tempo onde não esteve

sábado, 19 de novembro de 2011

cretinos disfarces

carícia divina

























andyp89

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Cordeiro do Senhor nunca queiras escravo.
A hóstia branca que levamos à boca
é a mesma lua cheia que ilumina
o meu corpo a deslizar no teu.
Porque deus é amor e nós fiéis.
Porque nos fez com uma carícia
assim te acaricio e me cobres
de felicidade pela noite dentro.
Bendito seja quem assim ama.
Livrai-nos Senhor de todos os cordeiros
e dai-nos um ao outro cada dia.

o coração só tem uma boca






















BigboyDenis

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A tua voz, os teu olhos,
as tuas mãos, os teus lábios.
O nosso silêncio, as nossas palavras.
A luz que desaparece,
a luz que regressa.

Um único sorriso para os dois.
Por precisar de saber,
vi a noite criar o dia
sem que mudássemos de aparência.

Ó bem amado por todos e bem amado por um.
Em silêncio, a tua boca prometeu ser feliz.
"Afasta-te, afasta-te", diz o ódio.
"Aproxima-te mais", diz o amor.

Pelas nossas carícias, saímos da infância.
Vejo cada vez melhor a forma humana.
Como um diálogo entre amantes,
o coração só tem uma boca.

Tudo é ao acaso.
Todas as palavras são espontâneas.
Os sentimentos à deriva.
Os homens vagueiam pela cidade.

O olhar, a palavra.
E o facto de eu te amar.

Tudo está em movimento.
Basta avançar para viver,
seguir em frente, em direcção a tudo o que amamos.

Ia na tua direcção, seguia sem parar em direcção à luz.
Se sorris, é para melhor me envolveres.
Os teus braços luminosos entreabrem o nevoeiro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

vezenquando tudo...



























Não quero medir
A altura do tombo
Nem passar agosto
Esperando setembro
Se bem me lembro
O melhor futuro
Este hoje, escuro
O maior desejo da boca
É o beijo
Eu nao quero ter o tejo
Me escorrendo das mãos...

Quero a Guanabara
Quero o rio Nilo
Quero tudo ter
Estrela, flor, estilo
Tua língua em meu mamilo
Água e sal...

Nada tenho
Vez em quando tudo
Tudo quero
Mais ou menos quanto
Vida, vida
Noves fora zero
Quero viver, quero ouvir
Quero ver...

dei a volta ao coração






















inbrainstorm
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De amor cantando,
sem nele demasiado acreditar,
dei a volta ao coração (demorei anos):
está só - mas sem nenhuma vontade de parar...

Desiludidos? Paciência, amigos...
Bebamos mais, fumemos, refumemos,
entre as mulheres, o tabaco e a vida.
Como cedilhas pendurados que felizes seremos,

exemplares cretinos nesta noite comprida...


[poesias completas]

como um ramo de pássaros

























[...]

E não nos damos
conta que a senha
é a porta. A senha:
misericórdia com os
que ainda são inocentes
e não sabem o que retirar
dos sonhos. Nem se abismam
nas estrelas. Mas aceitam o amor
como um ramo de pássaros.

A senha é a porta. E não
haverá outra.


[Os viventes]

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

quando a queda é vôo

paixão pela paixão













bcor
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li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então eu indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
?e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável, apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

[a faca não corta o fogo]

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

apenas o silêncio

pensando, nos salvamos?

























Pensar é o suficiente?
A porta da nuvem
ou a porta do céu
indeclinável.

Só a palavra, não a pedra,
só a palavra floresce
alguma árvore, pode
parar o mar.

Pensando, nos salvamos?


[os viventes]

desprendeu os limites



















complejo
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Há um outro por fora,
que não segue
as regras da vida.

Ou que inventa
por fora sua norma
de altear-se.

e vazou, desprendeu
os limites. Não sobe.
Está preso.

A loucura,
seu único peso.


[Os viventes]

terça-feira, 15 de novembro de 2011

onde a luz se prepara






















burcindrummer

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[...]

Minha loucura
escondo
sob a blusa,
os pequenos
escombros
cotidianos.

A parte escura
é insone.
Só o germe
da claridade
sabe onde a luz
se prepara.

[Os viventes]

escolhas

sábado, 12 de novembro de 2011

tudo como antes

























Está tudo como antes até esta
perfeita liberdade de perdermos
com a vinda da noite o que
ainda tivermos a vida
por exemplo se tudo pois
assim puder perder-se

Está tudo como antes até este
medo intacto de tudo
se perder até que a névoa a
neve a noite por exemplo
suspendam o que ainda
houver por suspender

Está tudo como antes até esta
completa suspensão da noite
por exemplo o desejo o prazer
a solidão por vezes a esperança
dos nervos está tudo como antes
até anoitecer

faltava o sentido


















NefertariLuna
DeviantART



Já então me faltava o sentido
do mundo já tudo me faltava ou
tudo havia já então a esperança
permitia o cansaço ou nada
permitia já nos braços
de novo me faltava ou tinha tudo o
que a dor prometia

Já nos braços havia o sentido
a tristeza havia a tarde
a noite e tudo o mais que o tempo
dava faltava-me o sentido
da tristeza tinha o tempo
e o medo da esperança que
o cansaço permitia

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


alguém procura onde eu estou só




















LoloMalaya-DeviantART


Alguém se debruça para gritar e ouvir em meus vales
o eco, e sentir a alegria de sua expressa
existência. Alguém chama por si próprio,
sobre mim, em seus terríficos confins.
E eu tremo de gosto, ardo, consumo
o pensamento, ressuscito
dons esgotados. Escrevo à minha volta,
esquecido de que é fácil, crendo
só no antigo gesto que alarga a solidão contra
a solidão do amor.
Escrevo o que bate em mim - a voz
fria, a alarmada malícia
das vozes, os ecos de alegria e a escuridão
das gargantas lascadas. Para os lados,
como se abrisse, com a doçura de um espelho
infiltrado na sombra. Fiel
como um punhal voltado para o amor
total de quem o empunha.


Alguém se procura dentro de meu ardor
escuro, e reconhece as noites
espantosas do seu próprio silêncio. E eu falo,
e vejo as mudanças e o imóvel
sentido dom meu amor, e vejo
minha boca aberta contra minha própria boca
num amargo fundo de vozes
universais.


Alguém procura onde eu estou só, e encontra
o campo desbaratado
e branco da sua
solidão.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

este choro que arranha e lava
















akincetin-deviantART



Toda a vida tentara entender a vida,
vivê-la como idéia que pudesse pensar.
Só agora percebia que a vida era outra realidade.
Uma brisa inesperada na face.
Uma areia encravada sob a pálpebra.
Nada que alguma vez tivesse pensado.
Esta lágrima.
Este choro que arranha e lava.



[...]
the salty seas behind the eye
and it's the tears that come and make me cry
the falling leaf that never tries
to hold on to what keeps it alive
the summer dreams behind the eye
and it's the sleep that makes me alive
the sudden ease when you arrive
and it's you that makes me try

terça-feira, 8 de novembro de 2011

sábado, 5 de novembro de 2011

no silêncio mais fundo desta pausa

























No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

em algum lugar


















ineedchemicalx-deviantART



Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:

Também sou escritura
e neste mesmo instante

alguém me soletra.


[Octávio Paz
]



um inominável
vazio ninguém nem
mesmo
estrelas

em silêncio meu
corpo ruge debate se nele
próprio nenhum
alívio

encalço minha
solidão na
extensão dos dias nada me
alcança

noite vasta em
algum lugar alguém
me
escancara

rendição
















o silêncio tange o
sino de tão
leve ninguém
escuta

Nana Botelho



minha garganta
árida buscava o
silêncio abismal da
tarde os sinos

mergulhados
inteiramente
neles
mesmos

feito chuva fina tua
voz percorreu minhas
ruínas meus
angustiados escombros

teu olhar roçando a
noite luziu sobre
os telhados açoitou minha
aurora

para sempre todos
meus dias saberão a
teu
hálito

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

jardim do mar

















Bogac Erguvenc


Jardim onde o vento batalha

E que a mão do mar esculpe e talha.

Nu, áspero, devastado,

Numa contínua exaltação,

Jardim quebrado

Da imensidão.

Estreita taça

A transbordar da anunciação

Que às vezes nas coisas passa.

a mais bela covardia de minha vida

















ElifKarakoc-DeviantART


Você foi covarde. Seu amor é forte, seu corpo é fraco. Você foi covarde como tantas vezes fui por acreditar que a coragem viria depois. A coragem não vem depois. A coragem vem antes ou não vem. Não posso amaldiçoar sua covardia. Sua boca não é rápida como suas pernas para me agarrar. Minhas pernas não são tão rápidas quanto minha boca para lhe impedir. Você foi covarde. Pela gentileza de sempre dizer sim, repetidos sim, quando não estava ouvindo. Já desfrutei de sua covardia, ríspido recusá-la agora porque não me favorece. Porque não fui escolhido.

Não aquecerei seu prato para servi-la. Não a ajudarei no parto. Não partirei. Serei aquele que deveria ter sido, enterrado sem morrer, o que desapareceu permanecendo perto. Sou seu constrangimento mais alegre. Sua ferida, seu feriado. Com o tempo, serei sua vontade de se calar. De se retirar da sala. Não conhecerá meus hábitos de puxar o café antes de ficar pronto. De abrir as venezianas como quem procura reunir os chinelos ao vento. Você foi covarde, ninguém iria compreendê-la. Hoje todos a compreendem, menos você mesma. Você não se compreende depois disso. O que é imenso é estreito. O que é infinito fecha. Até o oceano tem becos e ruas sem saída. Até o oceano. Sua esperança não diminui a covardia. Quer um conselho? Finge que a dor que sente é a minha para entreter sua dor. Saudades ficam violentas quando mudamos de endereço. Saudades ficam insuportáveis quando mudamos de sentido.

Você confunde sacrifício com covardia. Compreendo. Eu confundo amor com loucura. Cada um tem seus motivos, sua maneira de se convencer que fez o melhor, fez o que podia. Você me avisou que não tinha escolha. Nunca teria escolha. Você foi educada com a vida, pediu licença, agradeceu os presentes. Confiou que a vida logo a entenderia. E cederia. Engoliu uma palavra para dormir. Não serei vizinho de seu sobrenome. Seus nomes esperam um único nome que ficou para trás. Você não desencarnou, não se encarnou, deixou sua carne parada nas leituras. Morrer é continuar o que não foi vivido. Vai me continuar sem saber. Você foi covarde. Com sua ternura pálida, seu medo de tudo, sua polidez em cumprir as promessas. Você não aprendeu a mentir. Tampouco aprendeu a dizer a verdade.

O dia está escuro e não soprarei a luz ao seu lado. O dia está lento e não haverá movimento nas ruas. Você não revidou nenhuma das agressões, não revidará mais essa. Você foi covarde. A mais bela covardia de minha vida. A mais comovida. A mais sincera. A mais dolorida. O que me atormenta é que sou capaz de amar sua covardia. Foi o que restou de você em mim.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

vida e tempo


























A vida que a ti recuso; tens a sede
e o viver em essência, os cabelos
sobre a testa; iluminas a hora e dizes:
conserto o tempo que pedires e serei
amigo sempre; nada mais escutes
e mantenhas aberta a porta: não
terás a mim no sacrilégio e as horas
passarão ao longe; indisponível a lança
se fará curva e a morte a recusa
com que te dirás pronto ao começo.
...

como se calculasse o logaritmo da sede

























© J.Ota


[...]

Como se calculasse
o logaritmo
da sede.
A parte
infinitesimal
de haver a fome.

E sei calcular
o bem, o incerto,
a propriedade
dos materiais.
O equilíbrio
do esquecimento.

O que venço
me vence,
se não concentro
o peso.

Desgravito
o vínculo
dos meses,
elimino
a raiz quadrada
do que morro.

Em cada amor
me vou
substituindo.
Mas a minha
engenharia
é ser dessa família
de insuspeitados
números
que correm na luz.

E eu crio
onde os olhos
não atingem.

[Os viventes]